VESTAIS
Héstia era a filha primogênita do
casal de Titãs Rhea e Chronos, uma das doze divindades olímpicas que, em troca
do direito de permanecer virgem, cedeu seu lugar no Monte Olimpo para o deus
Dionísio. Apesar de sua importância como deusa guardiã da lareira, da família e
da comunidade, Héstia não tinha um templo específico, nem foi “personificada”
em imagens ou estátuas. Mesmo invisível no plano físico, Ela era a mais
presente divindade na vida humana, sendo representada pela luz e pelo calor do
fogo, honrada em cada casa, cidade e nos templos dedicados aos outros deuses. O
fogo aceso nos altares dos templos e nas lareiras das moradias era o pedido e o
convite para que Héstia se tornasse presente, trazendo as bênçãos da
iluminação. Héstia não tinha rituais específicos, sendo a veneração da chama
sagrada a maneira antiga e atual para sua reverência e invocação.
Ela recebia as honras em primeiro e
último lugar, em razão dos direitos especiais de seu nascimento e renascimento.
Conta o mito que, à medida que a deusa Rhea dava à luz aos seus filhos, Chronos
os engolia, por temer ser por eles destronado. Quando Zeus nasceu, Rhea
conseguiu enganar Chronos, dando-lhe uma pedra enrolada em panos para engolir e
escondeu Zeus na gruta do Monte Ida, onde ele foi criado por sacerdotes e
amamentado pela cabra Amalthea. Quando se tornou adulto, Zeus deu um vomitório
para que Chronos expelisse todos os filhos por ele engolidos; a última a ser
devolvida foi a primogênita Héstia, daí seu título de “a primeira e a última”.
Diferente de outras divindades,
Héstia jamais participou das disputas ou intrigas entre os deuses, nem das
guerras promovidas por seus irmãos, adquirindo, assim, o direito de ser
reverenciada como o centro da casa e do templo e de receber as honras e
oferendas em primeiro e último lugar. Por ter imposto sua vontade de permanecer
virgem e de jamais aceitar um homem na sua vida, Ela (assim como Ártemis e
Athena) era invulnerável às flechas de Eros e aos feitiços de amor de Afrodite.
Poucos escritos existem sobre Héstia,
sendo que a principal fonte de informação está nos hinos do poeta Homero. Sua
importância para o povo grego estendia-se além das reverências e oferendas a
Ela dedicadas, que eram feitas antes de cada refeição ou ritual. Como sua
bênção era pedida para o fortalecimento da unidade familiar, uma mulher, quando
se casava, recebia em sua nova moradia uma tocha acesa na lareira da casa
materna, levada por sua mãe para consagrar o lar dos recém-casados,
demonstrando a importância da continuidade da energia ancestral feminina e do
elo entre mãe e filha. Quando uma criança nascia, aos cinco dias de vida sua
família reunia-se ao redor da lareira e a apresentava à Héstia, pedindo Sua
bênção e permissão para a admissão no clã familiar.
Além de ser o elo entre humanos e o
plano divino, Héstia também era a protetora dos templos e das comunidades. O
Estado era uma continuação da família e cada cidade tinha nos templos um
santuário – chamado Prytantis – e uma lareira dedicada à Héstia, zelada pelas
sacerdotisas chamadas Prytantes. Visitantes e viajantes pediam as bênçãos para
sua estadia ou viagem nestes santuários e os suplicantes e foragidos neles
encontravam asilo e proteção. Do templo principal era levada a chama para
abençoar as novas cidades e colônias e acender novas lareiras, sendo Héstia o
elo que ligava o lar ancestral da capital aos confins do império, da mesma
maneira como era feito com a continuidade do fogo materno para com seus
descendentes.
Como arquétipo, Héstia representa a
essência (em grego a palavra é essia), o centro da psique, a própria chama
interior da natureza divina. Ela também simboliza a energia feminina invisível
que permeia um lugar ou situação e que torna esse local sagrado.
Como deusa virgem, personifica o conceito da auto-suficiência, ou seja, “ser completa em si mesma”, sem precisar da presença de um pai, marido, filho ou amante. Nessa condição, ela podia seguir seus próprios valores e caminhos, sem lutar pelo poder, sem ter que se submeter à autoridade masculina ou fazer concessões.
Como deusa virgem, personifica o conceito da auto-suficiência, ou seja, “ser completa em si mesma”, sem precisar da presença de um pai, marido, filho ou amante. Nessa condição, ela podia seguir seus próprios valores e caminhos, sem lutar pelo poder, sem ter que se submeter à autoridade masculina ou fazer concessões.
O termo latino para “lareira” é focus
e, na interpretação astrológica, o asteróide Vesta define a capacidade de
focalização e concentração em um determinado objetivo, o que exige a prática do
silêncio, introspecção e meditação. Para as mulheres marcadas por sua influência
(seja pela presença relevante do asteróide no mapa natal ou através de uma
conexão voluntária), o estado de contemplação e as práticas de focalização
tornam-se mais fáceis. Mesmo atividades corriqueiras ou afazeres de casa podem
ser um meio para ordenar pensamentos e silenciar a mente, encontrando assim
momentos de quietude, introspecção e harmonia interior. Conectando-se com a
energia de Héstia, a agitação e pressa, a habitual cobrança e o senso exagerado
do dever e fazer tornam-se menos importantes; realça-se, assim, o valor e a
necessidade de estar conscientemente no “aqui e agora”. Cada vez que uma mulher
cria ordem, beleza, paz e harmonia em um ambiente, ela consagra esse espaço.
Desde a pré-história, o fogo era o
centro da vida comunitária, pois, além de fornecer luz e calor, era o ponto de
encontro dos clãs e dos conselhos de anciãos, sendo também um símbolo de
hospitalidade e proteção. Para as mulheres contemporâneas, momentos de solidão
e de silêncio são requisitos necessários para o centramento e para as práticas
espirituais. Apesar do ritmo agitado da vida e das pressões e exigências
modernas, as mulheres que buscam seu crescimento e evolução espiritual não
precisam ir para o longínquo Avalon, nem se retirar em um mosteiro ou ashram.
Basta criar um tempo e espaço sagrados, formar um grupo ou círculo junto com
outras mulheres, ter um propósito e um centro espiritual e permanecer em
silêncio e meditação. O mergulho no âmago das essências individuais possibilita
encontrar a conexão e a força nutridora de Héstia. A representação do centro
pode ser uma vela ou lamparina, um cristal, uma mandala ou a imagem da luz
divina.
A versão romana de Héstia era
personificada por Vesta e seus cultos diferiam em alguns aspectos. Vesta também
era uma força sagrada estabilizadora e centralizadora, protetora das famílias e
cidades. No entanto, suas sacerdotisas – as Vestais – tinham maior prestígio e
atuação do que as Prytantes já que os romanos tinham um número maior de
festividades públicas para reverenciar Vesta do que os gregos, onde o culto era
concentrado nos lares. O fogo sagrado de Vesta era velado no Forum Romanum por
seis Vestais, em um templo esférico que reproduzia a Terra, cujo perímetro era
proibido aos homens após o anoitecer. As Vestais eram escolhidas entre as
filhas de famílias nobres e deviam servir por trinta anos, dos quais dez eram
de aprendizado, outros dez de sacerdócio e os últimos para ensinar as novas
Vestais. Elas deviam manter sua castidade, estando submetidas a regras severas,
como no caso de infração ao seu voto, quando eram enterradas vivas. Como
recompensa, recebiam alguns privilégios: convites para jantares com
autoridades, os melhores lugares nos teatros e arenas e passeios de carruagem;
elas não eram submetidas à autoridade paterna, podendo possuir bens e, depois
dos trinta anos de serviço, podiam se casar. Por serem consideradas imbuídas de
poderes especiais, eram honradas por todos e podiam perdoar condenados caso
passassem perto deles. Sua pureza era considerada a garantia da segurança e
salvação de Roma e por isso era vigiada em permanência pelo Sumo Pontífice.
Com o passar do tempo, as vestais se
tornaram “bodes expiatórios” e foram usadas para fins políticos, sendo-lhes
atribuídas as causas de desastres naturais ou as derrotas nas batalhas, por,
supostamente, terem infringido seus deveres e quebrado o voto de castidade.
Durante as festividades de Vestália, que duravam de 7 a 15 de junho, as
matronas romanas descalças e veladas seguiam em peregrinação para levar o pão
por elas assado como oferenda para os templos. No final do festival, as Vestais
fechavam o templo, lavavam-no e depois abriam-no com um banquete oferecido às
divindades, contando apenas com a presença de mulheres. Uma vez por ano, no dia
primeiro de março, o fogo sagrado era apagado e novamente acesso
ritualisticamente pela fricção de dois paus, revelando o simbolismo oculto de
Vesta como deusa geradora e sustentadora das mulheres e das famílias.
Atualmente foi perdido o respeito
pela continuidade da união familiar com a reverência e gratidão ao sagrado
antes das refeições. Vivemos na era do fast food, com todas suas conseqüências
nefastas: falta de diálogo e convívio entre pais e filhos, distúrbios
alimentares, diabetes e obesidade. Por não mais honrar e ancorar a energia
unificadora e protetora de Héstia em nosso cotidiano, negando o lugar de honra
do Seu fogo sagrado em nossas casas, canalizamos o aspecto sombrio e destrutivo
do fogo, que se manifesta no superaquecimento global, nos desequilíbrios e
conflitos religiosos, na falta de respeito e de reverência perante o sagrado e
a natureza.
No entanto, o arquétipo de Héstia
permanece esquecido e oculto em nosso inconsciente e caberá a nós – mulheres
conscientes de sua força e missão espiritual – reacender o fogo sagrado, em
nós, em nossas vidas e famílias. Para isso, precisamos encontrar novas formas
de manter a união e harmonia familiar, cuidando da alimentação saudável dos
filhos, evitando a poluição ambiental e mental pelo consumismo, a invasão dos
alimentos refinados e processados. Podemos e devemos criar singelos momentos de
silêncio e de gratidão pelo pão diário, em uma oração conjunta nas refeições ou
ao redor da chama de uma vela.
O nosso desafio – como mulheres,
filhas, esposas ou mães – é saber como combinar as exigências do mundo externo,
estressante e caótico, com a missão ancestral de cuidar da casa, da harmonia
familiar e da manutenção da chama sagrada. A resposta se encontra nos pequenos
gestos: unir-se em conversas sem assistir TV ou ler jornal, incentivar
encontros familiares em datas sagradas, informar-se sobre os alimentos
saudáveis, mobilizar pessoas para grupos de estudo e oração, preservar a coesão
e sintonia grupal evitando discussões, disputas e competições. Quanto mais isso
ocorrer e melhor forem o bem-estar e harmonia alcançados e compartilhados, mais
fácil será despertar e ativar o fogo sagrado de Héstia no coração de outras
pessoas, criar núcleos luminosos no centro das moradias e das comunidades, para
poder curar corpos e mentes e fortalecer a essência divina de todos.
Fonte: Mirella Faur
http://www.teiadethea.org/?q=node/38
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